domingo, 16 de maio de 2010

Em Defesa de uma Central de Classe (Tese ao CONCLAT)

OBS: Os dias 3 e 4, 5 e 6, marcarão uma data importante na luta de classes no Brasil. Durante esses dias serão realizados respectivamente o II Congresso da CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas) e o CONCLAT (Congresso da Classe Trabalhadora), onde serão definidos os próximos passos do movimento sindical-popular. Nesse sentido a Oposição Classista e Combativa ao DCE-UFC assina a tese Em Defesa de uma Central de Classe, que junto com os demais setores combativos irá combater a linha liquidacionaista do para-governismo do PSOL e PSTU.
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Em defesa de uma Central de Classe

Introdução
O objetivo desta tese é apresentar tanto uma reflexão crítica sobre a política da nossa central (no período 2006-2010), quanto propostas concretas de construção de um sindicalismo classista e combativo.
Para isso faremos duas análises distintas: uma da atual etapa e crise do capitalismo mundial; outra da evolução do movimento de luta dos trabalhadores no Brasil e suas contradições.
Essas análises encontram-se profundamente relacionadas. Na realidade, as transformações do capitalismo, e agora sua crise, colocam diferentes tarefas aos trabalhadores: tarefas de resistência imediata, e tarefas históricas da luta pelo socialismo. Porém, tais tarefas não têm sido assumidas concretamente.
Isso se dá porque, a nossa central, que deveria ter assumido tais tarefas, não o fez. Pelo menos não da maneira que deveria. A tática política prevaleceu sobre a estratégia. Os acordos acelerados de cúpula prevaleceram sobre um processo de construção de base.
Chegamos às vésperas do nosso terceiro congresso, com uma discussão ínfima nas bases. O próprio congresso da CONLUTAS foi pensado como apenas um apêndice do congresso da “Nova Central”. Os critérios de participação da base tornaram o congresso mais restritivo e, conseqüentemente, com um número de delegados menor.
Isso é resultado de uma política taticista e frentista que vem se impondo no interior da nossa central. A “fusão”, ao contrário do que vem sendo alardeado, não significa nada se não fundir forças reais na luta de classes. E o que a experiência dos dois últimos anos mostrou é que, na luta de classes, a unidade com tal setor (a Intersindical) tem se mostrado precária. Assim, está se atropelando um processo que deveria surgir da unidade concreta da luta e está se criando uma organização antes da luta.
Isso apresenta uma série de riscos. Significa que liquidaremos uma central, que sequer consolidou seu projeto e que nasceu das lutas efetivas do período 2003-2004, em favor de uma entidade que nasce de acordos de cúpula, pouca discussão na base e uma unidade muito precária na luta de classes. E ainda, que exige o sacrifício de um dos elementos diferenciais da nossa central: o seu caráter. E quem exige isso é exatamente uma organização que sequer é da mesma natureza. É mais uma composição de correntes de um partido político (PSOL) do que uma organização sindical e popular.
Nesse sentido, apresentamos esta tese para defender uma política classista e combativa. Somos contrários à “fusão” da nossa central tal como está se dando. Não acreditamos em organizações que surjam de acordos de cima. Somos contrários à mudança e/ou a descaracterização da nossa central. Somos favoráveis a uma central de classe (que agrupe o proletariado urbano, o campesinato, os trabalhadores precarizados e os estudantes). Somos contrários ao taticismo e ao frentismo. Somos defensores de que a nossa central tenha uma estratégia política de confrontação. Uma estratégia de construção pela base.
Os argumentos abaixo defendem e justificam teoricamente nossas posições. E elas estão assentadas na análise das condições objetivas e subjetivas do mundo contemporâneo.

1 – Estrutura e dinâmica do capitalismo contemporâneo: a conjuntura internacional.

É preciso fazer uma discussão teórica preliminar sobre a atual configuração do capitalismo. E essa configuração é fruto da transformação de um modelo capitalista anterior, provocada pela sua crise interna e pela resistência da classe trabalhadora.
Podemos dizer que o capitalismo contemporâneo é fruto da evolução e transformação do capitalismo monopolista de Estado. Esse modelo de capitalismo se estruturou a partir da década de 1920, no centro, e depois na periferia, como a América Latina. O capitalismo monopolista de Estado era uma inovação histórica, ele apresentava de forma sistemática ao Estado a tarefa de coordenar e intervir diretamente na economia capitalista. O Estado seria o grande engenheiro social responsável por viabilizar e tutelar a acumulação de capital.
Nesse campo, a burguesia internacional percebeu que era preciso, para desenvolver o capitalismo, mudar sua estratégia, era preciso fazer concessões à classe trabalhadora e integrar materialmente os trabalhadores aos interesses da burguesia. Para isso, foram tomadas medidas de reformas sociais do Estado e das relações de trabalho. O Estado criou as negociações coletivas para regular a oferta de trabalho e a massa salarial, de modo a diminuir as crises de superprodução. Criou também os sistemas previdenciários e formas de salários indiretos (benefícios educacionais, de saúde, incorporados sob a forma dinheiro ou não).
Depois da segunda guerra mundial, o capitalismo se expandiu aceleradamente. Os trabalhadores europeus foram integrados ao mercado consumidor e ao Estado, através dos grandes partidos e sindicatos de massa. O capitalismo, com sua reestruturação, procurou afastar ao mesmo tempo as ameaças da crise e da revolução socialista nos países capitalistas centrais.
A questão é que o financiamento desse modelo, baseado em grandes gastos públicos e produção crescente, era um problema. Nesse sentido, o capitalismo encontrou uma primeira solução: transferir os custos para e acentuar a exploração na periferia. Assim, as grandes empresas e o capital estrangeiro buscaram países como Brasil e demais países da América Latina para a implantação de suas plantas industriais.
Deste modo, começa a se desenvolver também na periferia a industrialização. E com ela o próprio capitalismo monopolista de Estado. Mas, ao contrário do que acontecera no centro, na periferia não deveria existir espaço para concessões aos trabalhadores. O lucro era máximo, o salário deveria ser colocado na média mínima possível e os direitos reduzidos.
As burguesias que tentaram implementar políticas nacionalistas na América Latina sempre tiveram de oscilar entre o discurso de defesa e proteção dos trabalhadores e sua lealdade ao capital/imperialismo. Isso aconteceu, por exemplo, com Getúlio Vargas no Brasil e o Juan Peron na Argentina. A ilusão de um capitalismo nacional aos moldes europeus se desfez sob as ditaduras.
O capitalismo de Estado na América Latina foi desenvolvimentista e o desenvolvimentismo foi ou incapaz de levar adiante as reformas sociais ou contra-revolucionário e militarista. As experiências no Brasil com João Gulart e no Chile com Salvador Allende comprovam isso. As ditaduras com programas desenvolvimentistas, de expansão industrial, associadas à repressão e desigualdade social também.
Mas na década de 1970 o capitalismo entrou em crise, apesar de tentar transferir os custos do seu modelo de desenvolvimento para a periferia. As revoluções anti-coloniais quebraram alguns elos da reprodução imperialista na Ásia, fazendo com que a transferência da desigualdade não fosse mais realizada da maneira que era necessário. A crise do petróleo em 1973 precipitou uma nova reestruturação global do capitalismo.
Os custos com os gastos sociais passaram a ser inaceitáveis para a burguesia. Nesse sentido foram desenvolvidas duas grandes estratégias, uma macro e outra microeconômica.
A macro foi o neoliberalismo. Era preciso reformar o Estado, transferindo os setores estratégicos de produção para a iniciativa privada. Eliminando ou diminuindo o peso dos seus setores “sociais” (especialmente, a previdência).
A microeconômica foi o toyotismo. Surgido no Japão, era uma nova forma de administrar a empresa. Ele é baseado em três eixos: a) precarizar o trabalho, aumentando a intensidade e o número de funções de um trabalhador; b) criar formas de “colaboração” e participação dos trabalhadores na empresa, transformando os sindicatos por exemplo em “escolas” de diretores de empresa; c) repressão, através de demissões e perseguição cotidiana.
Essa nova reestruturação teve um profundo impacto no mundo. Aumentou o número de pobres, destruiu vários sindicatos e mesmo categorias profissionais. No mundo e no Brasil, esse modelo se espalhou especialmente a partir dos anos 1980 e 1990. Ele provocou mudanças na estrutura de classes e políticas:
a) aumentou o peso dos trabalhadores precarizados e marginalizados (que nos países periféricos como o Brasil, já era grande anteriormente); atualmente, o número de desempregados e trabalhadores na informalidade supera os na formalidade;
b) difundiu uma onda de reformas neoliberais em governos pelo mundo, que cortaram os já reduzidos direitos trabalhistas e previdenciários existentes;
c) aumentou a exploração e comprimiu os salários em setores que antes eram protegidos (como determinadas categorias do serviço público);
d) aumentou a força dos bancos e do capital financeiro que passaram a comandar as políticas econômicas em escala global.
e) acentuou a concentração de capitais, formando-se ultra-monopólios em escala global, as grandes corporações.
Fazendo um balanço histórico, podemos ver que o capitalismo monopolista de Estado deu lugar um capitalismo ultra-mopolista e neoliberal. Essa era a situação até 2008, com a eclosão da crise mundial. E a crise só vai mostrar como o Estado, mais uma vez, é acionado para salvar o capital e como ele faz isso atacando os trabalhadores.
E a crise do capital vai sobrepor-se a uma crise da organização dos próprios trabalhadores. Crise esta que é fruto da história do capitalismo e da relação dos trabalhadores com tal processo. Nos dois modelos de desenvolvimento e acumulação capitalista, houve movimentos de cooptação dos sindicatos e trabalhadores. O estatismo se desenvolveu como força de repressão e cooptação dos sindicatos, e assim ainda permanece. E o toytismo veio para completar a tarefa por outras vias, dando uma feição “participativa” e “democrática” no local de trabalho a essa dominação.
Assim, o capital não somente se reestruturou, mas dirigiu a reestruturação da organização dos trabalhadores. E isso continua acontecendo. Ao analisar então a conjuntura atual poderemos ver como isso se dá.

2. Conjuntura Nacional: cenários estratégicos da luta de classes no Brasil e perspectivas para os próximos anos

O ano de 2010 apresenta uma nova conjuntura. As condições econômicas e políticas com as quais Lula encerra seu mandato presidencial são completamente diferentes de quando o PT assumiu presidência pela primeira vez.
Naquela ocasião, a economia brasileira ainda estava presa a um ciclo de estagnação. A economia mundial não tinha adentrado o ciclo expansivo centrado na bolha imobiliária gerada nos EUA. As reformas neoliberais estratégicas não haviam sido plenamente concluídas.
A conjuntura do primeiro mandato e os compromissos assumidos pelo PT com o Capital implicaram numa série de medidas, tomadas pelo Governo, claramente continuístas em relação ao período FHC. A reforma da previdência de 2003 foi o grande marco dessa conjuntura. Isso explicitou o caráter de classe do PT e de sua política. Mostrou também a subordinação das direções das centrais sindicais e grandes sindicatos à burguesia e ao governo.
Mas a conjuntura atual é completamente diferente. O ciclo econômico internacional favorável do período 2004-2008, e mesmo a crise econômica de 2008, modificaram substancialmente a situação. E o Governo Lula se beneficiou de duas maneiras.
Primeiro do ciclo econômico favorável iniciado em 2004, conseguindo aumentar o crescimento econômico do país (o que era usado para acobertar os ataques aos trabalhadores). Depois, da crise econômica que, ao contrário do que as análises catastrofistas afirmavam, não teve um impacto direto na economia brasileira. E mais, criou uma conjuntura favorável à revitalização da ala “desenvolvimentista” do bloco governista.
O quadro atual indica uma combinação de recessão e desemprego em escala global. As reações diversificadas na Europa, França e Grécia como exemplo, indicam que há um processo crescente de mobilização e radicalização. A recessão se combina com aumento do desemprego que cresce nas diversas regiões do mundo. Segundo a previsão da OIT serão 50 milhões a mais de desempregados no mundo chegando a um total de 230 milhões. No caso do Brasil, o IBGE indicou um crescimento de 8,2% para 8,5% nas regiões metropolitanas.
O problema é interpretar o que se passa por trás dos supostos efeitos destrutivos da crise, e também o tipo de decisão empresarial que leva ao aumento do desemprego. A Volkswagen cortou os empregos temporários, que eram de 16.500 no mundo no final de 2008. A montadora americana General Motors (GM) demitiu dez mil empregados em 2009 em todo o mundo, reduzindo sua força de trabalho em cerca de 14%.
No Brasil, o caso das demissões da EMBRAER é ainda mais emblemático. Apesar de distribuir 50 milhões para seus diretores em salários e participação nos lucros, manteve as demissões de 4.300 trabalhadores. Fica nítido que, pelo menos na sua fase atual, o desemprego gerado pela crise não é fruto dos impasses da “superprodução” sobre a economia capitalista, mas sim resultante da estratégia de adaptação toyotista, através da demissão dos trabalhadores temporários e precarizados.
No Brasil, a concentração de capital irá se dar principalmente nas áreas mais afetadas pela crise econômica: financeira, construção civil, agronegócio e comércio varejista. Isso significa um fortalecimento de grandes empresas e do capital monopolista nesses setores. A fusão do Itaú com o Unibanco é um exemplo disso, bem como a fusão dos grupos varejistas Casas Bahia e Pão de Açúcar.
No mundo, as fusões e semi-estatizações de grandes bancos e fusões e aquisições das grandes montadoras, apenas confirma o processo de concentração de capital, que caminha cada vez mais rápido no sentido da formação de ultra-monopólios. Esse é o principal aspecto da crise: nos setores automotivo e bancário, avança um processo ultra-monopolista de concentração de capital. Ao mesmo tempo, consolida-se o mecanismo da precarização (por meio dos contratos temporários e sem direitos trabalhistas) como mecanismo estratégico do capital.
Por isso, uma análise materialista e dialética precisa observar as relações de classes e os movimentos das forças econômicas que servem de base para as políticas do Governo Lula. E ao mesmo tempo, ver como o Governo Lula e o Bloco Reformista PT/PCdoB tenta incidir sobre tais condições, no sentido de favorecer a acumulação de capital.
O novo cenário econômico internacional é favorável a um intervencionismo estatal relativo, às políticas fiscais expansivas (aumento dos gastos públicos) e ao maior controle do Estado sobre o capital financeiro. Esse cenário foi perfeito para o PT e o PCdoB fortalecerem a tese da “disputa” de linhas dentro do Governo, entre setores neoliberais e setores desenvolvimentistas. A crise seria a ocasião para que esse setor supostamente “progressista” avançasse e ganhasse terreno.
O PT e o PCdoB estão conseguindo neutralizar a oposição de direita no congresso e manter o apoio do empresariado. Ao mesmo tempo revitalizam a força da CUT e CTB (antiga CSC) no movimento de massas depois da breve crise de 2003-2005. A crise foi providencial para o PT, o Governo Lula e os setores governistas do movimento. Hoje eles se apresentam com sua legitimidade renovada: são os setores que tem um programa de reformas e de fortalecimento do Estado para combater à crise, protegendo supostamente os interesses dos “trabalhadores e o desenvolvimento do país”.
Assim, os cenários da luta de classes nesse ano de eleições presidenciais são extremamente favoráveis às correntes estatistas e reformistas do movimento, especialmente o PT e o PCdoB. Mas esse é um cenário apenas.
Certas mudanças nas condições econômicas internacionais podem fazer cair por terra esse edifício aparentemente sólido. Em primeiro lugar, a evolução da crise econômica mundial é um elemento fundamental. Caso a recessão econômica nos países centrais não seja superada (e vários elementos indicam que não será), e caso alguma outra região (no caso, a Ásia) não consiga formar alguma outra bolha especulativa para fazer girar o processo de acumulação em escala mundial, dificilmente os instrumentos “expansivos” e o poder de um futuro Governo Dilma Roussef para combater os efeitos da crise irão se manter.
Ou seja, um prolongamento da crise no centro deve implicar que ela alcance os principais países da América Latina, arrastando-os para a crise e aprofundando-a em escala global. Isso pode provocar então novas mudanças no cenário político nacional. E isso pode provocar também uma crise do próprio governo e das forças políticas e sindicais dirigente no país.
Num cenário como esse, o bloco governista PT/PCdoB e CUT/CTB irão, assim, ver-se diante de um problema: sustentar o governo Dilma Roussef, só que aí, não mais com o discurso e políticas floreadas de “desenvolvimentistas e progressistas”, mas sim coordenando um novo ataque contra os trabalhadores e uma nova reestruturação do capital no Brasil.
As perspectivas de médio prazo indicariam (caso a crise econômica se confirme e os demais fatores políticos e econômicos se mantenham inalterados) que um futuro e provável Governo Dilma terá condições menos favoráveis que as atuais. E terá de assumir o confronto contra os interesses dos trabalhadores, reduzindo o déficit fiscal que tenderá a crescer e protegendo os interesses dos latifundiários e do próprio capital associado. Mas a questão é que isso pode acontecer em um ano ou em quatro, cinco, dependendo da evolução dos fatores econômicos e políticos.
Temos então dois cenários distintos dentro do atual contexto de crise, o de curto prazo e o de médio prazo. No curto prazo o setor reformista e governista (PT e PCdoB) sairá fortalecido na conjuntura de crise. No médio prazo, é possível que mais uma vez o bloco governista tenha que coordenar um ataque à classe trabalhadora (como foi na ocasião das reformas de 2003). E essa seria uma ocasião para a criação de uma alternativa nacional de sindicalismo, um sindicalismo de tipo revolucionário de massas.

3. O projeto de construção de uma central de classe: as contradições em meio à reestruturação do capitalismo (Concepção, estrutura, estratégia e programa).

3.1 A degeneração da CUT e das centrais oficialistas/condições objetivas e subjetivas:

As reformas neoliberais implementadas no início do Governo Lula desencadearam um processo de crise de legitimidade da CUT e do PT. A eliminação dos direitos o ataque contra os sindicatos e trabalhadores, especialmente do serviço público ajudaram a desmascarar o caráter de classe do Governo Lula para parcelas significativas de trabalhadores. Foi criado um sentimento de indignação frente à “traição” que se manifestava.
Elementos concretos mostravam que o Governo estava implementando reformas neoliberais que contrariavam parte do seu discurso anterior. Ficou claro que a CUT estava cumprindo o papel de correia de transmissão do Governo Lula e do Estado. Que não representava mais os trabalhadores e nem encaminharia suas lutas. Estavam dadas as condições objetivas e subjetivas para o início de um processo de ruptura com o peleguismo da CUT e demais centrais.
As organizações de luta do proletariado brasileiro, criadas nos anos 1980, degeneraram. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), criada para servir como arma de luta pelos direitos dos trabalhadores, transformou-se na prática, num instrumento da burguesia. Para formular hoje uma alternativa de luta popular-sindical é preciso refletir criticamente sobre as causas desta degeneração.
Para entender então como a CUT degenerou devemos então correlacionar alguns fatores: 1) Um fator fundamental na degeneração da CUT foi sua acomodação às velhas estruturas sindicais do corporativismo; 2) as contradições internas da CUT, que transformam a central num órgão burocratizado onde as decisões eram tomadas de cima para baixo; 3) o desenvolvimento de uma força política hegemônica (a Articulação do PT), de caráter reformista, através da relação “Partido-Sindicato”, em que as tarefas estratégicas (conquistar o Estado) eram atribuídas ao PT; 4) outro foi sua adaptação aos padrões toyotistas, o sindicalismo de resultados fragmentado por empresa e conciliador.
Assim, a degeneração da CUT é parte de um processo histórico mais geral. A acomodação e domesticação dos trabalhadores pelo capitalismo. E isso se deu pelo desenvolvimento de um modelo de sindicalismo social-reformista. Ele é legalista, corporativista e acredita que somente através da conquista do Estado os trabalhadores podem melhorar sua condição econômica e social. Ele é contra-revolucionário.
Em pouco tempo, o “eleitoralismo” se impôs, e a critica da estrutura sindical e seu modelo de movimento foi sacrificada em favor dos interesses do Partido (PT). Isto porque para que o PT ganhasse a confiança da burguesia foi preciso frear as lutas proletárias (especialmente as greves). E esta estrutura sindical favorece exatamente a paralisação das lutas do proletariado.
Isso significa que não basta fazer a critica da cooptação pelo neoliberalismo. É preciso combater as bases do modelo de sindicalismo social-reformista que levou a CUT à degeneração. E isso exige uma mudança de concepção de organização, de estratégia e de tática política.

3.2 A formação da CONLUTAS: os ziguezagues políticos e erros táticos.

Em 2006 a CONLUTAS foi fundada. Naquela conjuntura, havia clareza da degeneração da CUT. Mas nem todos os setores optaram pela ruptura. Eles ainda tinham (e tem) vínculos ideológicos e organizativos com o próprio governismo. Isso se expressou na duplicidade de posições ante a CUT. Um setor não defendia a ruptura com a CUT num primeiro momento e sempre foi ambíguo nessa tarefa e constituiu a Intersindical.
A princípio a CONLUTAS expressava disposição de cisão de amplos setores do movimento sindical com o governismo. A CONLUTAS materializava a oposição entre governismo (CUT, Centrais oficialistas) X anti-governismo no movimento. Essa contradição poderia dar espaço para o re-surgimento de um sindicalismo classista e revolucionário.
O projeto uma central que unificasse as lutas dos trabalhadores (formais e informais, empregados e desempregados, os movimentos populares do campo e da cidade e o movimento estudantil) significava não só uma ruptura necessária com o governismo. Poderia representar ainda ruptura com o modelo de sindicalismo social-reformista e corporativista.
Infelizmente, a política do atual campo dirigente da CONLUTAS é equivocada. Sua tática e estratégia impedem que a CONLUTAS assuma as suas tarefas imediatas e históricas. Isso foi o resultado de uma concepção estratégica equivocada.
A estratégia desse setor dirigente da CONLUTAS é a construção de uma Frente de Esquerda para “conquistar o Estado” e mudar a política econômica. Essa estratégia possibilitou uma série de táticas que na prática desviam a CONLUTAS das suas tarefas históricas. As principais táticas foram: 1) a política de unidade de ação com os governistas para lutar contra a crise; 2) a proposta de unificação com a chamada “Intersindical”; 3) a acomodação aos métodos de luta e formas de organização do sindicalismo social-reformista e corporativista.
Ou seja, o setor de oposição aglutinado na CONLUTAS tem suas contradições. E elas começaram a se manifestar no período 2006-2008 com as equivocadas alianças nas eleições sindicais de categorias importantes.
As políticas promovidas em várias categorias e sindicatos nos anos de 2006-2007 (como foi o caso dos trabalhadores dos Correios/RJ, Sintergia e metalúrgicos de Volta Redonda/RJ) realizavam o contrário daquilo que o CONAT havia colocado como objetivo: romper com a CUT. O setor majoritário encaminhava alianças com setores governistas (Articulação Sindical/PT e Corrente Sindical Classista/PCdoB).
A política de unidade com os governistas tornou-se a política hegemônica logo em 2007, quando a CONLUTAS se uniu com a CUT, a CMS, a Intersindical, entre outros, na formação da “Frente de Luta Contras as Reformas Neoliberais”. Nessa frente os governistas assumiram a dianteira das lutas no segundo Governo Lula, iniciando a recuperação da legitimidade e do espaço perdidos entre 2003 e 2006. Os governistas conseguiram reeditar a tese de que o Governo Lula está em disputa.
Para a CONLUTAS o efeito da política de unidade com os governistas foi outro: provocou uma estagnação da Central, uma perda do trabalho de base e consequentemente do protagonismo das lutas.
O setor dirigente tentou justificar essa política equivocada afirmando que poderia estaria explorando as contradições do campo governista, que estaria fazendo a disputa da base dos governistas e que essa seria apenas uma tática de unidade de ação. Entretanto, tais justificativas se mostraram inconsistentes. Primeiro, foram os governistas que exploraram as contradições do campo majoritário da CONLUTAS e conseguiram reconstrução da sua legitimidade até então perdida. Em segundo lugar, a unidade se deu pela cúpula, portanto, não ocorreu disputa das bases. Basta ver que em certas categorias e sindicatos importantes, como o SINTRASEF/RJ, SEPE/RJ e FASUBRA, foi encaminhada a saída da CUT mas nunca a construção da CONLUTAS. E no caso do SINTRASEF ocorreu o melancólico retorno à CUT.
Por fim, a eclosão da crise econômica mundial em 2008 transformou o que antes era uma política aberta de aliança com os governistas. A crise econômica virou pretexto para uma reconciliação não somente com a CUT, mas com todas as centrais pelegas (Força Sindical, CTB). Esse chamado implica numa completa abdicação da política de ruptura com o governismo, o corporativismo e o legalismo.
A outra tática do campo dirigente da CONLUTAS foi conclamar a Intersindical para um processo de fusão. Esse chamado à unidade era esfacelado pela política da Intersindical em diversas categorias, como no funcionalismo publico federal, em que atuava ao lado dos governistas, defendia acordos rebaixados, recusava a greve e quando a fazia era para reduzir a luta ao economicismo e à fragmentação. Isso continua acontecendo agora recentemente. Em 2009 nas das eleições dos bancários/RJ a Intersindical constituiu uma chapa com a CUT e a CTB.
O primeiro aspecto a ser criticado nessa tática é noção de “reorganização” do movimento que vem sendo utilizado pelo campo majoritário. A idéia de reorganizar deveria ser sinônimo de ruptura com o governismo e de reconstrução pela base de um movimento nacional de oposição. Mas não é isso que está sendo feito.
Os debates pela base foram abandonados. Por outro lado, a própria Intersindical rachou no ano passado, o grupo que está no processo de fusão é dominado por correntes do PSOL (APS, C-SOL e Enlace) e são essas correntes que assinam seus documentos e mandam seus representantes para os debates. Ou seja, a representação é por corrente partidária, não pelas entidades de representação dos trabalhadores.
Nesse processo um dos principais impasses era o caráter da CONLUTAS e o caráter da “nova central”. Os setores da Intersindical não aceitam uma central de classe. Querem uma central exclusivamente sindical. Se a CONLUTAS representou um avanço nas lutas do proletariado por ser uma central do conjunto da classe trabalhadora, a “nova central” representará um retrocesso, pois, discutir se os estudantes e os movimentos sociais e populares podem ou não participar da “nova central” já é em si uma forma de exclusão desses setores da classe trabalhadora.
É importante ressaltar o caráter idealista e reacionário dos argumentos utilizados para justificar a exclusão dos estudantes e dos movimentos sociais. Resumidamente, os argumentos são dois: 1) os operários constituem a classe revolucionária, por isso, devem ser a direção do movimento dos trabalhadores e 2) os movimentos estudantil e sociais são “policlassistas”, ou seja, também são formados por frações burguesas.
O primeiro argumento deriva de uma visão idealista que, como tal, não tem nenhum amparo na realidade e na história das revoluções da classe trabalhadora. Em todas as revoluções desde a Comuna de Paris de 1871, passando pelas revoluções mexicana, de 1910, e russa, de 1917, chegando até as revoluções chinesa (1949) e cubana (1959), a vitória dos trabalhadores foi determinada pela participação do conjunto das frações do proletariado, especialmente do campesinato.
Mesmo hoje, a recente história da América Latina nos mostra que as principais lutas foram encampadas e lideradas por diversas frações do proletariado: 1) no Brasil, na década de 1990, os camponeses, sob a liderança do MST, constituíram a principal oposição ao neoliberalismo de FHC; 2) na Argentina em 2000 estavam na vanguarda das lutas os trabalhadores desempregados e movimentos populares; 3) na Bolívia desde 2003 o movimento indígena e camponês lideraram as revoltas populares.
Afirmar que o movimento sindical é o mais organizado da classe trabalhadora é desconhecer a atual estrutura do sindicalismo brasileiro. Até porque a organização não é um em fim em si. Em termos de auto-organização dos trabalhadores a grande maioria dos sindicatos é frágil. Quem organiza os sindicatos no Brasil é o Estado, que concede a carta sindical e o imposto sindical.
Segundo a estrutura sindical brasileira, de inspiração fascista, a representação sindical e o financiamento dos sindicatos são outorgados pelo Estado, por isso um sindicato não precisa de filiados para ser reconhecido como tal e receber o imposto sindical. Isso faz com que facilmente os sindicatos se tornem representantes do Estado e do patronato e não dos trabalhadores. Tal organização é antes um elemento a ser combatido do que a ser exaltado.
E a estrutura do sindicalismo de Estado se ampliou no ano passado com a Lei 11.648/2008, que incorporou as centrais sindicais à estrutura sindical oficial. Assim, as centrais são igualmente tuteladas pelo Estado e financiadas pelo imposto sindical. A conversão das centrais em “centrais oficialistas” reforça a burocratização das entidades sindicais. E infelizmente a CONLUTAS não encaminhou uma luta séria contra isso, mas se acomodou ao processo.
Portanto, a estrutura sindical tem um efeito desorganizador sobre o movimento dos trabalhadores, pois impõe a formação de sindicatos sem base (os chamados “sindicatos cartoriais”) e promove a tutela estatal sobre o conjunto das entidades sindicais. Os sindicatos ficam frequentemente à serviço da burguesia, não dos trabalhadores. A Estrutura sindical deve ser combatida na sua totalidade não em aspectos isolados. Desse modo, afirmar a necessidade de lutar contra a burocratização dos sindicatos mas buscar a adequação de uma central à estrutura oficial é proferir com discurso vazio.
Já o segundo argumento, acerca do caráter policlassista do movimento estudantil, nega a perspectiva classista para esse setor da classe trabalhadora. E negar isso é permitir o desenvolvimento de políticas de colaboração com a burguesia no seio do movimento.
Esse é argumento é extremamente pobre. É óbvio que a condição de estudante não se confunde com a condição de classe. Mas a grande massa dos estudantes brasileiros é de trabalhadores. E se faz necessário construir um movimento estudantil classista e combativo.
Da mesma forma é falso o argumento de que os movimentos sociais de corte ético-racial e de gênero são “policlassistas”. O racismo e o machismo são instrumentos da dominação burguesa, utilizados para superexplorar esses segmentos dos trabalhadores. As mulheres e negros do Brasil são submetidos às piores condições de trabalho e recebem os menores salários. Os indígenas são submetidos a condições desumanas.
A luta contra a homofobia e a pela extensão dos direitos civis aos homossexuais também tem que ter um caráter de classe. Essa não é uma questão individual, mas uma questão social que tem que ser respondida pela luta da classe trabalhadora. Somente a ação política do conjunto do proletariado pode superar o racismo e o machismo.
A condição objetiva de classe desses setores é proletária. É a ausência de uma política classista e socialista para organizá-los e integrá-los na luta de classes que os deixa à mercê de políticas e ideologias da burguesia e de Estado. Somente uma perspectiva metafísica de segunda categoria pode desconsiderar as condições econômicas materiais e substituí-las por uma vaga disputa de ideias e projetos individuais como critérios centrais na definição do caráter de classe.
Firmar que os movimentos estudantil e sociais são policlassitas e, portanto, não podem estar na mesma central é reproduzir a fragmentação imposta pela burguesia. É importante lembrar existem certas ocupações e sindicatos que agrupam “profissões” que podem ter burgueses em seu ofício (como é caso de profissões liberais e serviços públicos), além da existência de sindicatos de patrões (industriais, latifundiários, banqueiros, etc). Nem por isso se afirma que o movimento sindical é policlassista.
Por último, destacamos o aspecto burocratizante da política de fusão da CONLUTAS com a Intersindical, processo que se assemelha com a degeneração da CUT nos anos de 1980 que se consolida na segunda metade da década de 1990. Congresso após congresso, a representação da base foi diminuindo na CUT e, finalmente, no IV CONCUT a Corrente Sindical Classista, do PCdoB, entrou na central e formou o bloco hegemônico com a Articulação Sindical/PT que aprovou as teses do “sindicalismo propositivo”, ou seja, de colaboração com o Estado e a burguesia.
E é exatamente esse processo que observamos no interior da CONLUTAS: a proposta de excluir importantes setores da classe trabalhadora da “nova central” e a proposta de reduzir proporcionalmente o número de delegados de base no “congresso de fusão”, marcado para junho desde ano - No 1º CONAT, realizado em Betim/MG no ano de 2008, a proporção para a tiragem de delegados era 500 na base para 1 delegado, com fração de 250, agora a proposta é 1.000 na base para 1 delegado, com fração de 500. Isso implica em uma drástica redução da participação dos delegados.
A história só se repete como farsa ou tragédia. Estamos diante na iminência de um erro histórico, cometido por setores dirigentes da CONLUTAS. Estes foram incapazes de capitalizar o movimento de oposição e ruptura no interior da classe trabalhadora. A guinada representada por essas táticas é a negação dos princípios e programa da CONLUTAS fixados no I CONAT.

3.3 Uma central de novo tipo e sua política de construção.

A CONLUTAS representou um ensaio na construção de uma central de classe. Agora nossa principal tarefa é garantir que nossa central se torne de fato uma central sindical e popular, que reúna e organize o conjunto da classe trabalhadora.
Em uma central de classe, que tem como um de seus pilares a democracia operária, não pode estabelecer pesos diferenciados aos setores que fazem parte da entidade. Somos contrários à deliberação do 1° CONCLAT/2008 que estabeleceu um percentual de 10% para a participação dos estudantes na CONLUTAS.
Infelizmente o processo de burocratização e mudança do caráter da “nova central” está avançando, pois a proposta do setor majoritário é que na “nova central” o movimento estudantil, movimento negro, movimento de mulheres e contra a homofobia tenham uma participação simbólica, com um percentual de 5%. Esse tipo de formulação fere a natureza sindical e popular da nossa central.Quer dar a aristocracia operária a maioria compulsória na direção da entidade.

Do mesmo modo, somos contrários à construção de uma central sindical que permita a filiação do movimento estudantil e popular. Porque essa formulação muda o caráter sindical e popular e estabelece a formulação de uma central sindical que concede a filiação aos demais setores da classe trabalhadora. Na prática, essa formulação não passa de um “favor” que os sindicatos concedem aos estudantes e aos movimentos populares e sociais.
Defender uma central de classe significa defender uma entidade que reúne em seu interior as diferentes organizações da classe trabalhadora: o movimento operário, o movimento sindical urbano (comercio e serviços); o movimento camponês e de trabalhadores rurais; o movimento estudantil; movimento de desempregados e informais, o movimento negro e indígena, os movimentos de gênero e contra a homofobia. Desta maneira, será uma organização ampla e representativa das lutas.
A natureza de uma Central de Classe possibilita romper com o sindicalismo social-democrata e corporativista, que reproduz a fragmentação da classe trabalhadora imposta pelo capital, ao mesmo tempo, garante o combate a estrutura de sindicalismo de Estado. Esse é o caminho para a construção de um amplo movimento classista e combativo dos trabalhadores.
Nós trabalhadores, estamos vendo numa conjuntura de ofensiva burguesa, a partir das políticas neoliberais e da reestruturação produtiva. A superexploração e a precarização atinge parcelas cada vez maiores da classe trabalhadora, aumentando a nossa fragmentação e ampliando os lucros da burguesia. Nessa conjuntura somente uma Central de Classe é capaz de dar respostas às necessidades do conjunto dos trabalhadores.
A Central de Classe deve estar estruturada na base da democracia interna e do federalismo (coordenação da autonomia local com as funções diretivas das instâncias centrais), preservando as decisões de “baixo para cima”. Esta democracia proletária tem um objetivo de mobilizar; a democracia visa garantir a entrada das massas proletárias na arena da ação política. Além da democracia interna, a Ação Direta (greves, mobilizações e etc) deve ser o meio central da luta, e não as negociações nos espaços da burguesia (justiça, parlamentos, câmaras, prefeituras e governos).
O mais importante é que tal tipo de organização dá uma resposta às características do capitalismo contemporâneo. Ele neutraliza as táticas burguesas de esfacelamento e fragmentação. Ele contorna também os aspectos desorganizadores do sindicalismo de Estado e do sindicalismo social-reformista. E é um tipo de organização que esteja adequada as necessidades de uma efetiva luta pelo socialismo.


Assinam essa tese:

Everardo Cantarino – SINDSCOPE.
Romulo Castro – SINDSCOPE.
Selmo Nascimento – SINDSCOPE.
Sergio Muniz – Oposição Petroleira/GLP.
Augusto Rosa – Base do SEPE.
Caroline Bordalo – Base do SEPE.
Carla Bianca – Base do SEPE.
João Carlos Ramos – Base do Sinttel-RJ.
Andrey Cordeiro Ferreira – Base do ANDES.